FONTE: Dr. Dennis Bertolini
1. Introdução:
Os coronavírus (CoV) são uma grande família de vírus que causam doenças desde o resfriado comum até doenças mais graves, como a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV) e a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-CoV) (WHO).
Em 31 de dezembro de 2019, uma epidemia de infecções do trato respiratório inferior de etiologia desconhecida foi relatada à Organização Mundial de Saúde (OMS) na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China (CASCELLA; RAJNIK; CUOMO; DULEBOHN et al., 2020; WANG; HORBY; HAYDEN; GAO, 2020). Após investigações intensivas, no dia 7 de janeiro de 2020, cientistas chineses conseguiram isolar um novo coronavírus (CoV) em pacientes de Wuhan, nunca antes relatados em humanos. (WHO | Coronavirus disease (COVID-2019) R&D, 2020; CHAN; KOK; ZHU; CHU et al., 2020). Assim, em 11 de fevereiro de 2020, o Diretor Geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), nomeou a doença causada pelo novo coronavírus de COVID-19, um acrônimo de “Doença do coronavírus 2019” (CASCELLA; RAJNIK; CUOMO; DULEBOHN et al., 2020).
Os coronavírus são zoonóticos e se tornaram os principais patógenos emergentes responsáveis por doenças respiratórias. Trata-se de uma grande família de vírus de RNA de fita simples (+ ssRNA) subdivididas em duas subfamílias: Orthocoronaviridae e Torovirinae (ASHOUR; ELKHATIB; RAHMAN; ELSHABRAWY, 2020; CASCELLA; RAJNIK; CUOMO; DULEBOHN et al., 2020). A subfamília Orthocoronaviridae, a qual pertence o novo coronavírus, denominado pelo Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus (ICTV) de SARS-CoV-2, é ainda subdividido em 4 gêneros: α, β, γ e δ (ASHOUR; ELKHATIB; RAHMAN; ELSHABRAWY, 2020; GUO; CAO; HONG; TAN et al., 2020). Os α e β-CoV são capazes de infectar mamíferos, incluindo humanos, enquanto γ e δ-CoV, tendem a infectar aves (GUO; CAO; HONG; TAN et al., 2020).
Nos últimos 20 anos, ocorreram duas epidemias de coronavírus, a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) que iniciou na China em 2002 causando cerca de 8094 infecções e 774 mortes, e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), responsável por uma epidemia persistente na Península Arábica desde 2012, com 862 mortes de 2506 infectados (ASHOUR; ELKHATIB; RAHMAN; ELSHABRAWY, 2020; CASCELLA; RAJNIK; CUOMO; DULEBOHN et al., 2020; CHAN; KOK; ZHU; CHU et al., 2020). Ambas foram associadas com complicações graves do trato respiratório inferior e manifestações extrapulmonares como diarreia, linfopenia, síndrome de disfunção de múltiplos órgãos e com taxas de mortalidade de ± 10% ± 35%, respectivamente (ASHOUR; ELKHATIB; RAHMAN; ELSHABRAWY, 2020).
O SARS-CoV-2 foi isolado e sequenciado de pacientes de Wuhan que tiveram sintomas respiratórios e pneumonia no final de 2019, e foi caracterizado como um β-CoV, envelopado de RNA fita simples polaridade positiva e não segmentada, de aproximadamente 30 kb (Fig. 01) (GUO; CAO; HONG; TAN et al., 2020). Análises filogenéticas demonstraram que este compartilha 96% de identidade do seu genoma completo com o um CoV de morcego, o BatCoV RaTG13, 91,02% com o genoma do Pangolin-CoV e 79% com o SARS-CoV, sugerindo a transmissão inter espécies até a infecção humana e a existência de reservatórios animais do novo vírus (ZHANG; WU; ZHANG, 2020).
Figura 01 – Representação esquemática da estrutura do Coronavírus.
Fonte: Adapatado de https://www.scienficanimations.com/wiki-images/
Até onde se sabe, a transmissão se dá de homem pra homem, por contato, gotículas, aerossóis e fômites contendo partículas virais. Além disso, evidências crescentes apontam para a rota de transmissão fecal-oral (CHAN; WONG; TANG, 2020). O SARS-CoV-2, assim como o SARS-COV, se liga aos receptores da enzima conversora de angiostensina do tipo 2 (ECA 2) humana, o que permite sua entrada na célula do hospedeiro (ANDERSEN; RAMBAUT; LIPKIN; HOLMES et al., 2020; TAI; HE; ZHANG; PU et al., 2020). A alta afinidade do SARS-CoV-2 com a ECA 2 humana, pode estar relacionada à alta transmissibilidade do novo CoV (ANDERSEN; RAMBAUT; LIPKIN; HOLMES et al., 2020; WAN; SHANG; GRAHAM; BARIC et al., 2020).
Desde sua identificação, o número de casos de infecções por SARS-CoV-2 aumentaram velozmente, atingindo até o presente momento 185 países, com mais de 267.013 casos e 11.201 óbitos (WHO | Coronavirus disease (COVID-2019) R&D, 2020). Acredita-se que os pacientes sintomáticos sejam os principais responsáveis pela dispersão do vírus, e que o período de incubação seja em média de 5,1 dias, e ainda que 97,5% dos pacientes sintomáticos desenvolverão os sintomas dentro de 11,5 dias da infecção (CHAN; WONG; TANG, 2020; LAUER; GRANTZ; BI; JONES et al., 2020). Entretanto, um dado recente levantou a hipótese de transmissão por pacientes assintomáticos, isso porque, o pico de carga viral a partir de swabs nasal se deu 2 dias após o início dos sintomas, e se demonstrou similar a carga viral obtida de pacientes assintomáticos (CHAN; WONG; TANG, 2020). Além disso, um estudo de modelagem matemática simulou a dinâmica espaço-temporal das infecções por SARS-CoV-2 em 375 cidades chinesas e demonstrou que 86% das infecções não foram documentadas, e destas, 55% eram tão contagiosas quanto as infecções documentadas (LI; PEI; CHEN; SONG et al., 2020). Contudo, ainda não há um consenso sobre essa forma de transmissão, sinalizando a necessidade de atenção aos sinais e sintomas da COVID-19 que incluem sintomas respiratórios, febre, tosse, falta de ar e dificuldades respiratórias. Em casos mais graves, a infecção pode causar pneumonia, síndrome respiratória aguda grave, insuficiência renal e até mesmo morte (WHO | Coronavirus disease (COVID-2019) (R&D, 2020).
O grande surto de COVID-19 levou a OMS a classificar a doença como uma pandemia em 11/03/2020 (WHO | Coronavirus disease (COVID-2019) R&D, 2020), levando a uma grande corrida na procura de tratamentos e metodologias diagnósticas mais eficazes e rápidas. Um artigo de Gautret et al., trouxe a informação de que o uso do medicamento Cloroquina associado a Azitromicina foi, em um grupo pequeno de pacientes, eficaz no tratamento da doença (GAUTRET; LAGIER; PAROLA; HOANG et al., 2020). No entanto, resultados ainda são preliminares e estão entrando em fase de testes em diversos laboratórios e hospitais pelo mundo.
A preocupação com a rápida disseminação do vírus e a falta de estrutura dos hospitais para tratamento de casos graves, falta de leitos em UTIs, levaram os mais diversos líderes de estado dos diversos países afetados, a tomarem medidas extremas como isolamento social, fechamento de comércio e fronteiras e até decreto de estado de calamidade pública.
Referências:
ANDERSEN, K. G.; RAMBAUT, A.; LIPKIN, W. I.; HOLMES, E. C. et al. The proximal origin of SARS-CoV-2. Nature Medicine, p. 1-3, 2020-03-17 2020. Letter.
ASHOUR, H. M.; ELKHATIB, W. F.; RAHMAN, M. M.; ELSHABRAWY, H. A. Insights into the Recent 2019 Novel Coronavirus (SARS-CoV-2) in Light of Past Human Coronavirus Outbreaks. Pathogens, 9, n. 3, Mar 4 2020.
CASCELLA, M.; RAJNIK, M.; CUOMO, A.; DULEBOHN, S. C. et al. Features, Evaluation and Treatment Coronavirus (COVID-19). 2020/03/08 2020. Text.
CHAN, J. F.; KOK, K. H.; ZHU, Z.; CHU, H. et al. Genomic characterization of the 2019 novel human-pathogenic coronavirus isolated from a patient with atypical pneumonia after visiting Wuhan. Emerg Microbes Infect, 9, n. 1, p. 221-236, 2020.
CHAN, K. W.; WONG, V. T.; TANG, S. C. W. COVID-19: An Update on the Epidemiological, Clinical, Preventive and Therapeutic Evidence and Guidelines of Integrative Chinese-Western Medicine for the Management of 2019 Novel Coronavirus Disease. Am J Chin Med, p. 1-26, Mar 13 2020.
GAUTRET, P.; LAGIER, J. C.; PAROLA, P.; HOANG, V. T. et al. Hydroxychloroquine and Azithromycin as a treatment of COVID-19: preliminary results of an open-label non-randomized clinical trial. 2020-03-20 2020.
GUO, Y. R.; CAO, Q. D.; HONG, Z. S.; TAN, Y. Y. et al. The origin, transmission and clinical therapies on coronavirus disease 2019 (COVID-19) outbreak – an update on the status. Mil Med Res, 7, n. 1, p. 11, Mar 13 2020.
LAI, M. M. Coronavirus: organization, replication and expression of genome. Annu Rev Microbiol, 44, p. 303-333, 1990.
LAUER, S. A.; GRANTZ, K. H.; BI, Q.; JONES, F. K. et al. The Incubation Period of Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) From Publicly Reported Confirmed Cases: Estimation and Application. Ann Intern Med, Mar 10 2020.
LI, R.; PEI, S.; CHEN, B.; SONG, Y. et al. Substantial undocumented infection facilitates the rapid dissemination of novel coronavirus (SARS-CoV2). 2020-03-16 2020.
TAI, W.; HE, L.; ZHANG, X.; PU, J. et al. Characterization of the receptor-binding domain (RBD) of 2019 novel coronavirus: implication for development of RBD protein as a viral attachment inhibitor and vaccine. Cellular & Molecular Immunology, p. 1-8, 2020-03-19 2020. OriginalPaper.
WAN, Y.; SHANG, J.; GRAHAM, R.; BARIC, R. S. et al. Receptor Recognition by the Novel Coronavirus from Wuhan: an Analysis Based on Decade-Long Structural Studies of SARS Coronavirus. J Virol, 94, n. 7, Mar 17 2020.
WANG, C.; HORBY, P. W.; HAYDEN, F. G.; GAO, G. F. A novel coronavirus outbreak of global health concern. Lancet, 395, n. 10223, p. 470-473, Feb 15 2020.
WHO | Coronavirus disease (COVID-2019) R&D. WHO, 2020-03-21 14:38:36 2020.
ZHANG, T.; WU, Q.; ZHANG, Z. Probable Pangolin Origin of SARS-CoV-2 Associated with the COVID-19 Outbreak. Curr Biol, Mar 13 2020.
Autor: Dennis Bertolini