Blog de Notícias SBAC

Lições a serem aprendidas: a importância do distanciamento social em casos de pandemia viral

Ao longo de sua evolução, a humanidade vem aprendendo com as experiências, sejam elas boas ou ruins. Isto é histórico, e a história se desenvolve a partir de fatos.

Em 31 de dezembro de 2019, uma pneumonia de causa não identificada foi reportada ao escritório da Organização Mundial de Saúde – OMS, na China. Este foi o primeiro relato de infecção por uma nova cepa de coronavírus, denominada coronavírus 2 da síndrome respiratória aguda grave (ou SARS-CoV2, da sigla em inglês), causadora da doença coronavírus-19, COVID-19. Menos de um mês após o primeiro caso, o número de infectados pelo COVID-19 aumentou significativamente na China, com 7734 casos, e em outros países como Taiwan, Tailândia, Vietnã, Malásia, Nepal, Sri Lanka, Camboja, Japão, Singapore, República da Coreia, Emirados Árabes, Estados Unidos, Filipinas, Índia, Austrália, Canadá, Finlândia, França e Alemanha. Estes fatos levaram a OMS a declarar Emergência em Saúde Pública de Interesse Internacional, em 30 de janeiro de 2020,

A Europa tem hoje mais casos confirmados e mortes provocadas por esta pandemia viral do que a China, onde tudo começou; e a Itália é o país mais afetado pelo COVID-19, com aproximadamente 50 mil casos confirmados e mais de 4800 mortes.

No Brasil, o primeiro caso foi identificado em São Paulo, em 21 de fevereiro de 2020.

O Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus COVID-19, citado na Portaria MS no. 356, de 11 de março de 2020, que dispõe sobre a regulamentação e operacionalização do disposto na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, prevê a quarentena domiciliar para casos leves e estratégia de monitoramento domiciliar para evitar a ocupação de leitos desnecessariamente.

Até dia 24 de março de 2020, o Brasil tinha 2.201 casos confirmados e 46 mortes pelo COVID-19. Os dados nacionais e internacionais evidenciam a alta taxa de infectividade e a baixa virulência do COVID-19. Por ser um vírus que facilmente passa de uma pessoa para outra, medidas profiláticas simples de higiene como lavar corretamente as mãos e cobrir o rosto com a dobra do cotovelo ao espirrar ou tossir são fundamentais para reduzir o risco de contágio e/ou transmissão.

A história passada já nos ensinou que a redução da propagação de um vírus está diretamente relacionada ao retardamento do pico da epidemia e, consequentemente, a uma maior capacidade de atendimento efetivo pelo sistema de saúde. Quanto menor o contato entre pessoas, menor é o risco de contágio e transmissão e, quanto antes forem instaladas medidas de contingência, menor é o número de casos.

Uma lição mais recentemente aprendida é que, na era das mídias sociais, o combate às doenças emergentes sofre influências antagônicas do mundo virtual. A conectividade e todas as ferramentas e plataformas digitais permitem que informações sobre surtos e as características das doenças sejam compartilhadas entre cientistas do mundo inteiro, em tempo real, promovendo a disseminação do conhecimento e permitindo ações de controle mais efetivas. Por outro lado, a divulgação de dados não científicos e especulações causam insegurança e pânico na população, dificultando a instalação e a adesão às medidas eficazes de prevenção e combate à doença.

Aprendemos também com os países que já enfrentaram o pico endêmico e já tem casos curados. Os dados epidemiológicos indicam que os países que melhor controlaram a expansão do número de casos foram aqueles que instauraram políticas rígidas de distanciamento social, isolamento, quarentena e contenção comunitária.

O distanciamento social é uma medida que reduz a interação entre pessoas de uma comunidade na qual os indivíduos podem estar infectados, sem sintomas e sem diagnóstico. Isolamento é a separação de pessoas infectadas daquelas não infectadas, geralmente aplicado em ambiente hospitalar. Quarentena é a restrição de locomoção de determinada pessoa, com vigilância da temperatura corporal, quando não se tem evidências clínicas e/ou laboratoriais de que esta pessoa está infectada. E a contenção inclui medidas que vão do aumento do distanciamento social à quarentena em toda a comunidade.

Foram quase 2 meses entre o relato do primeiro caso em Wuhan, na China, e o primeiro caso brasileiro, dando ao país uma vantagem que outros não tiveram. Foram quase 2 meses para que medidas de contingência fossem adotadas no Brasil; entretanto, o ritmo de propagação do vírus agora segue o padrão de países europeus, como Itália e França.

No atual cenário nacional, há de se concordar que o distanciamento social se faz necessário, por diversos motivos:

  1. Portadores assintomáticos do vírus são importantes fontes disseminadoras, e não estão sendo testados no Brasil;
  2. Testes moleculares que detectam o ácido nucleico viral e são considerados “padrão-ouro” para a pesquisa de SARS-CoV-2 podem apresentar resultados falso-negativos pela baixa sensibilidade do método, erros técnicos ou coleta de amostra insuficiente;
  3. O intervalo entre o primeiro dia de testagem positiva para o ácido nucleico e o primeiro dia de resultado negativo por este mesmo método é de aproximadamente 9 dias (podendo chegar a 21);
  4. Pacientes infectados podem levar 6 dias para terem resultados positivos pelo teste molecular;
  5. Não está definido em qual dia ocorre o pico de disseminação viral, que pode variar de 8 a 37 dias, e qual é a carga viral antes do início dos sintomas;
  6. O panorama europeu, em especial o italiano, demonstrou o quão rápido o sistema de saúde pode sobrecarregar no caso de um aumento agudo no número de casos.

Considerando que ainda não há tratamento específico ou vacina contra o COVID-19, a maneira mais eficaz de controlar a epidemia, além das medidas de higiene, é o distanciamento social e o isolamento para aqueles com resultado positivo para o COVID-19. E estas condutas dependem, basicamente, da adesão da população.

Lição final: Distanciar hoje, para garantir abraços amanhã!

 

Fontes:

Brasil. Ministério da Saúde. Acesso em 21 março 2020. Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2020/fevereiro/13/plano-contingencia-coronavirus-COVID19.pdf

Brasil. Ministério da Saúde. Acesso em 21 março 2020. Disponível em: https://www.saude.gov.br/

Gralinski LE, Menachery VD. Return of the Coronavirus: 2019-nCoV. Viruses. 2020; 12(2). pii: E135. doi: 10.3390/v12020135.

Hu Z et al. Clinical characteristics of 24 asymptomatic infections with COVID-19 screened among close contacts in Nanjing, China. Sci China Life Sci. 2020 Mar 4. doi: 10.1007/s11427-020-1661-4.

Organização Mundial da Saúde. Acesso em 21 março 2020. Disponível em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/events-as-they-happen

Rodriguez-Morales et al. COVID-19 in Latin America: The implications of the first confirmed case in Brazil. Travel Med Infect Dis. 2020 Feb 29:101613. doi: 10.1016/j.tmaid.2020.101613.

Rothan HA, Byrareddy SN. The epidemiology and pathogenesis of coronavirus disease (COVID-19) outbreak. J Autoimmun. 2020 Feb 26:102433. doi: 10.1016/j.jaut.2020.102433.

Xiang Dong et al. Eleven Faces of Coronavirus Disease 2019. 2020. Allergy. doi:10.1111/all.14289.

Wilder-Smith A, Freedman DO. Isolation, quarantine, social distancing and community containment: pivotal role for old-style public health measures in the novel coronavirus (2019-nCoV) outbreak. J Travel Med. 2020 Mar 13;27(2). pii: taaa020. doi: 10.1093/jtm/taaa020.

Zhou F et al. Clinical course and risk factors for mortality of adult inpatients with COVID-19 in Wuhan, China: a retrospective cohort study. Lancet. 2020 Mar 11. pii: S0140-6736(20)30566-3. doi: 10.1016/S0140-6736(20)30566-3.

 

Mauren Isfer Anghebem

Membro da Diretoria da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas – SBAC
Farmacêutica-Bioquímica
Mestre e Doutora em Ciências Farmacêuticas com ênfase em Análises Clínicas
Professora Adjunta do Curso de Farmácia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR
Professora Adjunta do Departamento de Análises Clínicas da Universidade Federal do Paraná – UFPR
Conselheira do Conselho Regional de Farmácia do Estado do Paraná – CRF-PR