Para evitar o estágio de contaminação do fígado típico da malária, cientistas dos EUA modificaram por engenharia genética o Plasmodium falciparum, parasita causador da doença. Durante o estudo, dez voluntários receberam esse parasita e não adquiriram a doença. Seus anticorpos ainda impediram que camundongos fossem afetados. A pesquisa foi liderada por James G. Kublin e Stefan H. I. Kappe, do Centro para Pesquisa em Doença Infecciosa, de Seattle, e o estudo publicado na revista médica Science Translational Medicine.
O conceito de injetar o parasita para imunizar pessoas é similar ao de uma vacina que usa pedaços de um vírus, por exemplo, ou uma versão morta ou “atenuada” dele. Com isso, o sistema imunológico reconhece o alvo e o ataca. Desde pioneiros trabalhos de pesquisadores na década de 1960 – com destaque para os brasileiros Ruth e Victor Nussenzweig – sabemos que o parasita da malária poderia servir para uma vacina se atenuado por radiação. No entanto, além de pouco prático, havia o risco de o parasita continuar letal se o processo não fosse eficiente. Assim, muitas pesquisas se voltaram para as vacinas de “subunidades”, isto é, usando pedaços do parasita para estimular o sistema de defesa, e até hoje nenhuma delas mostrou uma proteção completa.
O parasita da malária é transmitido pela picada da fêmea dos mosquitos do gênero Anopheles, que se alimenta de sangue. Ele entra no corpo na forma chamada de esporozoíto, infecta o fígado, se modifica e é liberado na corrente sanguínea na forma de merozoítos, que atacam as células vermelhas do sangue. Os esporozoítos usados no estudo tiveram os três genes essenciais para a infecção do fígado e o posterior desenvolvimento da doença deletados.
O método desenvolvido pelos pesquisadores ainda não pode ser chamado de vacina, pois hoje depende de usar mosquitos para picar o braço de voluntários – método usado no estudo clínico para provar o conceito e que será modificado para aplicação em seringa em uma eventual futura imunização. Após a modificação, o método ainda passará por testes in vitro e in vivo (em animais de laboratório) para se tornar uma vacina. Se a eficácia for comprovada nessa fase, o produto precisará passar por outros testes clínicos em três fases.
A malária é uma doença difícil de ser combatida, e as estratégias para sua erradicação têm falhado por uma série de motivos. Parte da responsabilidade é do complexo ciclo de vida do parasita Plasmodium. Uma determinada vacina pode neutralizar uma de suas linhagens, mas não prejudicar outras – o que reinicia o ciclo de infestação. Além disso, algumas também adquiriram resistência a drogas, elevando a letalidade. Isso vale também para os mosquitos vetores, do gênero Anopheles, que conseguem criar resistência a inseticidas.
Um dos principais problemas das vacinas criadas até hoje é o fato de serem baseadas em um parasita para os quais o organismo não costuma produzir bons anticorpos. Para contornar o problema, ao invés de usar o parasita, a farmacêutica GlaxoSmithKline sintetizou uma proteína baseada em três outras que o Plasmodium produz. A alternativa obteve relativo sucesso em um teste, prevenindo cerca de 60% dos casos. A etapa atual deste estudo está acontecendo com crianças menores de um ano. Já a estratégia da empresa Sanaria, baseada em parasitas irradiados e introduzidos no sangue via mosquito, gerou proteção de 42% em um ensaio clínico realizado na Colômbia.
Praticamente metade da população do planeta vive em áreas com risco de contrair a doença cerca de 3,2 bilhões de pessoas. Em 2015 foram reportados 214 milhões de casos de malária resultaram em 438 mil mortes, especialmente de crianças na África. Como vacinas que utilizam organismos vivos exigem mais cuidados para transporte, o uso onde mais se precisa de cuidados contra a malária pode ser mais difícil pelos problemas de infraestrutura do continente africano. Entretanto, vacinas de gado que também precisam ser mantidas em nitrogênio líquido já estão chegando até lá, o que representa motivo de otimismo para os pesquisadores.